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  • Foto do escritorAndré Luciano Maria

CABALLEROS: o show tem que continuar!

No início dos anos 1990, o pesquisador e confesso fã de quadrinhos, César Antonio Vida, conversou com Alberto Breccia sobre aquele instante no cenário da nona arte, a resposta de um dos responsáveis por O Eternauta 69 e Ernie Pike, se mostrou bem conciso: “No mundo há muito lixo, muito disparate, muitos super-heróis estúpidos, muita discussão comercial, argumentos remanufaturados, pouca criatividade porque todo mundo quer vender, então recorrem a fórmulas fáceis de vender.”


Os mais versados no histórico do artista, devem estar com a expressão "Cuspir no prato que comeu" já que em sua juventude o autor criou o primeiro super-herói argentino, "El Vengador Alado", lançado poucos meses depois de Batman.

A crítica de Breccia pode ser entendida como injúria a era de futilidade editorial e especulação, cujos maiores símbolos foram o modo Image Comics de fazer quadrinhos, seguido pelas duas grandes do mercado estadunidense, a Marvel e a DC Comics.

Breccia faleceu antes de ter tempo de se decepcionar (ainda mais) com o que se tornaria o mercado de quadrinhos. Na época da entrevista com Vidal, as empresas estrangeiras invadiam o entreposto comercial argentino, e o celebrado artista havia passado a maior parte da vida acompanhando de maneira confortável um bem estabelecido, e protegido lugar para a variada industria de quadrinhos local. O panorama mudou drasticamente com a eclosão de uma grave crise econômica na era Carlos Menem, que atingiu de forma excruciante as editoras nacionais, mesmo gigantes como os grupos Columba e Editorial Record não escaparam. Estas editoras, da noite para o dia, viram seus gráficos de vendas atingirem o vermelho, e os leitores não mais viram seus quadrinhos sendo distribuídos. Esse vácuo deixado pelas HQs argentinas era facilmente preenchido pelas publicações estrangeiras. Mesmo com uma elogiável resistência, através dos fanzines, o mercado se inundava com material de fora, em especial Marvel e DC Comics.


O ar se estagnava para o conteúdo nacional, até que uma rajada de vento soprou, usando da linguagem-padrão do "invasor".



“Caballeros” nasceu da pena de Toni Torres, amante dos antigos quadrinhos argentinos, como El Vengador Alado de Alberto Breccia. Torres usou magistralmente sua experiência como leitor, ao mesmo tempo que dá originalidade e identidade própria ao vigilante mascarado portenho que, sob o traço certo, se transforma no flagelo do crime metropolitano. O traço em questão viria do lápis de Mariano Navarro, quase um John Byrne latino, com delineamento sofisticado que passa a celeridade do movimento. Assim como reconhecemos os prédios e marcos de Nova York, onde a teia do Homem-Aranha se fixa, Navarro faz familiar aos olhos o palco do mundo urbano de Buenos Aires.

No centro da ação, o jovem herói escarlate fez sua estréia pública no coração de Buenos Aires, detendo uma quadrilha de assaltantes nos telhados da confeitaria "El Molino", onde conhece a intrépida jornalista do Clarín, Verónica Paz, no mesmo instante vem a mente Clark Kent e Lois Lane. Torres, foi claro ao explicar para o repórter Fernando Ochoa, do site desalambrar.com.ar, a influência do universo dos super-heróis tradicionais em seu Cavaleiro Vermelho: “Você pode encontrar coisas de milhares de personagens, mas acho que ninguém está isento de mostrar que leu algo em sua vida. É como compor música, as notas já estão todas inventadas, a questão é como combiná-las ”.


Ainda há o tópico popular/cultural ligado ao lutador Cavaleiro Vermelho, do programa de televisão criado por Martín Karadagian, "Titanes del Ring" (similar ao Telecatch no Brasil, os mais vividos devem lembrar de lutadores como Fantomas, Ted Boy Marino e, porque não, do Cavaleiro Vermelho), Torres, teve aprovação de Humberto Baby Reynoso, o Cavaleiro Vermelho dos Titanes, campeão mundial de luta livre. Em entrevista publicada em 1997 na Comiqueando, mesma revista onde nasceu o super-herói argentino, Toni Torres explicou a relação de sua criação com a do lutador e declarou que nunca teve dúvidas do papel de herói do Cavaleiro Vermelho aos olhos das crianças que o assistiam.

Na história criada por Torres e Navarro, o herói faz parte da "Ordem”, monolítica organização secreta que vem agindo nos bastidores da sociedade desde os tempos das Cruzadas. O paladino carmesim, segue uma tradição de legado de heróis, transmitido de geração a geração até o presente, ideia hereditária, usada de maneira própria, do primeiro herói uniformizado, o clássico O Fantasma, de Lee Falk e Ray Moore. Aqui, existe a inovação da crise familiar quanto a herança heróica, nas primeiras páginas nos é revelado que o atual Cavaleiro Vermelho é neto do último vigilante mascarado, pois seu pai, Humberto Reynoso, decidiu dedicar sua vida a ser justamente um lutador dos Titanes no Ring, contrastando o poder do mito, com os anseios individuais.

Ainda na mesma entrevista ao portal Desalambrar, o próprio Torres faz uma síntese geral do mascarado aventureiro das HQs argentinas: “O Cavaleiro Vermelho tornou-se ao longo dos anos um personagem de culto para quem o lê. Acho que, como acontece nos bons personagens, se tornou um amigo que o leitor sempre espera ver de novo ”.


Caballeros teve a participação de inúmeros artistas argentinos consagrados como Francisco Solano López (El Eternauta original), Eduardo Risso (100 Balas), Ariel Olivetti (Cazador), Walter Taborda e o brasileiro Leonardo Laino. Caballeros: Tomo Um estreia no Brasil pela Tai Editora agora em março.

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